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A Origem do Pecado

Uma questão que os filósofos vivem tentando explicar é a entrada do mal neste mundo. Uma selvática variedade de idéias antibíblicas tem sido apresentada através dos séculos. Um desses pontos de vista é o chamado dualismo. Defendido pelos antigos zoroastrianos, e mais tarde pelos gnósticos (que perturbaram a Igreja Primitiva) e heréticos chamados maniqueus, esse ponto de vista tem uma longa história.
Os dualistas contendem quanto a um princípio eterno do mal e seu perpétuo conflito com um eterno princípio do bem. Usualmente, tal visão considera a matéria, ou Universo físico, como inerentemente mau. Por isso consideram o corpo mau por natureza, resultando ou na repressão de seus desejos ou na licença para fazer o que quiser, pela simples resignação. A conseqüência dessa posição para a teologia é também muito severa, porquanto concebe Deus menor do que absoluto e infinito, ou concebe dois deuses, um bom e outro mau. Para exemplificar, alguns dualistas acreditam que foi um deus mau que criou o Universo, enquanto o deus bom não estava olhando. Alguns deles acreditam que somente o espírito é bom, pelo que supõem que o corpo físico de Jesus era apenas uma ilusão. Outros afirmam que o espírito de Cristo estava muito abaixo de Deus, separado dEle o suficiente para não contaminá-lo, e que o espírito saiu de Jesus, ou por ocasião de seu nascimento, ou por ocasião de seu batismo. Ouros ainda afirmam que o espírito de Cristo o deixou imediatamente antes de sua crucificação.
Outro conceito acerca da origem do mal é que ele simplesmente faz parte da finitude humana. O pecado seria apenas uma “negação do ser”. Essa crença tende ao panteísmo, visto que ser e moralidade são confundidos. Se o fato de alguém ser criatura traz consigo, automaticamente, o conceito de pecar, então os seres humanos não têm qualquer responsabilidade moral. O pecado seria puramente o resultado da ignorância e da fraqueza, e o meio ambiente, o culpado pelos erros do indivíduo. As pessoas, porém, desde a queda vêm tentando mudar a culpa do seu pecado (Gn 3.12,13).
Uma variação do ponto de vista acima é que o pecado é, principalmente, se não inteiramente, o mal do corpo. Reinold Niebuhr escreveu um livro chamado Moral Man and Immoral Society (Reinold Niebuhr, Nova Iorque: Charles Scribnes Sons, 1932), onde tenta mostrar que o mal que um homem não faria, encorajar-se-ia a fazê-lo mediante a participação em um grupo, como uma turba ou uma corporação, onde sua individualidade misturar-se-ia à de outros, que assim compartilham corporalmente da responsabilidade. Embora Niebuhr reconhecesse o pecado pessoal, outros têm ido além da posição assumida por ele, porquanto enfatizam o aspecto social do pecado, com total negligência à responsabilidade pessoal. Por exemplo, em uma geração anterior à de Niebuhr, Karl Marx ensinava que o pecado não é mais do que injustiça social.
Um erro comum é considerar o pecado como substância. Mas se o pecado fosse uma substância ou coisa, então, sem dúvida, teria sido criado por Deus, e, assim sendo, seria essencialmente bom. Mestres cristãos, através dos séculos, em vista do ódio de Deus contra o pecado na Bíblia como um todo, têm rejeitado a idéia de que o pecado tenha sua origem em Deus. Embora o pecado não seja uma substância, não significa que seja destituído de realidade. As trevas são a ausência da luz. embora o pecado e o mal sejam, algumas vezes, comparados com as trevas, eles são mais que mera ausência do bem. O pecado também é mais que um defeito. É uma força ativa, perniciosa e destruidora.
O que ensina a Bíblia sobre esse importante assunto? O ponto de vista bíblico é que o pecado originou-se no abuso da liberdade concedida aos seres criados, os que foram equipados com o uso da vontade. Não foi Deus o criador do mal. O mal é uma questão de relacionamento, e não algo provido de substância. Basicamente, desconsidera a glória, a vontade e a Palavra de Deus. Rompe com a relação de obediência para com a fé em Deus, e toma a decisão de falhar diante dEle. Entretanto, por razões que são melhores conhecidas por Ele mesmo, Deus permitiu a possibilidade da falha moral. Existem certas coisas que Deus não nos revelou. A teologia especulativa procura investigá-las mediante a razão humana. Um exemplo disso é o escolasticismo, que dominou o pensamento da Europa Ocidental entre os séculos IX e XVII. Combinava ensinos religiosos com filosofias humanas, principalmente as idéias de Agostinho e Aristóteles, e tentava dizer mais do que Deus tencionou revelar.
A vontade é um importante corolário da personalidade racional. A ação moral é aquilo que determina o caráter. E isso envolve um tremendo risco, o de fracassar. Deus, ao prover espaço para a tomada de decisões livres e morais aos anjos e seres humanos que criou, teve de permitir a possibilidade do fracasso em algumas de suas criaturas. Sem essa possibilidade, não haveria liberdade genuína nem verdadeira personalidade. (Ver Clark H. Pinnok, The Grace of God and the Will of Man, Grand Rapids: Zondervan Publishing House, 1989, quanto a uma boa discussão do ponto de vista arminiano sobre pecado e a soberania de Deus). O mais admirável em tudo isso é que Deus, ao mesmo tempo, tenha provido um remédio para os que caíram.
O pecado, portanto, originou-se na livre escolha das criaturas de Deus. Quando a serpente (Ap 12.9, fala sobre “a antiga serpente, que se chama diabo e Satanás”) tentou Eva, ela começou com uma pergunta (conforme Satanás de vez em quando faz): “É assim que Deus disse: Não comereis de toda árvore do jardim?” Foi como se tivesse indagado: “Será que um Deus bom impediria alguma coisa que vocês quisessem?” Em seguida, introduziu uma negação: “É certo que não morrereis… Deus sabe que no dia em que dele comerdes se vos abrirão os olhos, e, como Deus, sereis conhecedores do bem e do mal”. Satanás estava insinuando que Deus criara Adão e Eva à imagem dEle, e por isso queria que se tornassem como Ele; no entanto, proibira aos dois aquilo que os faria ser como Ele. Então, Eva, deixando que a atenção caísse sobre a coisa proibida, começou a raciocinar que o fruto poderia ser realmente bom para ela. Satanás, pois, não teve de apanhar o fruto, nem de forçar Eva a fazê-lo. Ela mesma continuou a olhar para o fruto – e fez a escolha. Ela apanhou o fruto, comeu e deu parte dele a seu marido, talvez conduzindo-o pela mesma linha de raciocínio que a levou ao pecado. O pecado de nossos primeiros pais teve diversas conseqüências. Eles entraram em estado de culpa. E não somente se tornaram cônscios de seu ato e da separação de Deus na qual haviam incorrido, mas sabiam que estavam sujeitos à penalidade atrelada ao mandamento de Deus, em caso de desobediência. Alguns, atualmente, confundem sentimento de culpa com a própria culpa. São crentes que aceitaram o perdão outorgado por Cristo, mas ainda conservam restos de sentimento de culpa. O sentimento de culpa resulta de uma consciência maculada. A própria culpa é a responsabilidade legal pelo erro praticado aos olhos de Deus, o que incorre em penalidade.
Deus não poderia ser santo se tolerasse o rompimento da lei divina. Por essa razão, olha para o pecado com ira e julgamento (Rm 1.18; Hb 10.31; 12.29; 2Pe 2.9; 3.7).
Adão e Eva, pois, trouxeram contra si mesmos as conseqüências pessoais do pecado (Gn 3.1-19). O gênero humano inteiro foi infectado pelo pecado. As crianças que nascessem seriam naturalmente contaminadas. Por causa dessa enfermidade da natureza humana, o indivíduo, ao atingir a idade da responsabilidade moral (a Bíblia não fala numa idade específica de responsabilidade; algumas crianças chegam a ter esse entendimento mais cedo na vida do que outras), coloca-se debaixo da ira de Deus. O efeito do pecado de Adão sobre a raça humana é, com freqüência, chamado de “pecado” original. O pecado original, enquanto não é por si mesmo a causa de serem os pecadores condenados por Deus, leva-os a pecado pessoal aberto, razão pela qual o apóstolo Paulo pôde dizer com tristeza: “Porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus” (Rm 3.23). Por causa do pecado de Adão, pois, a inocência se perdeu, a imagem divina na humanidade foi distorcida e debilitada, as pessoas tornaram-se escravas do pecado (Rm 6), e a discórdia e a morte entraram no mundo.
Uma conseqüência óbvia do pecado foi a ruptura das relações que prevaleciam no jardim do Éden. Em primeiro lugar, Adão e Eva forma separados de Deus. Suas consciências, em lugar de ajudá-los, levaram-nos a se esconder de Deus entre as árvores do jardim, e tiveram de preparar uma cobertura para si mesmos com folhas de figueira. Então, quando Deus os fez enfrentar o pecado que haviam praticado, eles tentaram transferir a culpa (algo que as pessoas vêm fazendo desde então). Mas Deus não aceitou. E pôs a responsabilidade de volta sobre eles.
O pecado, por conseguinte, originou-se da livre escolha das criaturas de Deus. Em lugar de crer e confiar em Deus, e corresponder a seu admirável amor e à sua provisão, destronaram-no, e entronizaram o próprio “eu”. A incredulidade e o desejo de exaltar o próprio “eu” foram os elementos-chave do primeiro pecado. Isaías 14 mostra-nos a que extremos esses elementos podem levar. Na profecia contra Tiglate-Pileser, que assumira o título de “rei da Babilônia” (Ver Jack Finegan, Light from the Ancient Past, 2ª edição, Princeton, N.J.: Princeton University Press, 1959, pág.206), estão registradas as reivindicações extravagantes que ele fez em favor próprio. À semelhança da maioria dos reis antigos, ele procurou exaltar-se acima dos deuses e do verdadeiro Deus. Dois anos mais tarde, a profecia de Isaías teve cumprimento, e as pessoas que viam o cadáver do rei diziam: “É este o homem que fazia estremecer a terra?” (Is 14.16-20). Aqui, “homem” é o hebraico ha’ish, que indica um homem comum, o ser humano do sexo masculino. Alguns estudiosos vêem um paralelo entre a auto-exaltação de Tiglate-Pileser, também conhecido pelo nome de Pul, e a de Satanás, que terminou com a sua queda. Sem dúvida, Satanás esteve por detrás dele, tendo-o encorajado em seu orgulho, como a Senaqueribe, posteriormente (Is 36.18-20; 37.12,13,23,24).
A essência do pecado, portanto, é optar pela satisfação o próprio “eu” em lugar do original e mais elevado objetivo na vida – buscar a Deus e à sua justiça. O resultado é todos os tipos de pecados, corrupção e perversão (ver Rm 1.18-32, onde a Bíblia mostra quanto sofrimento há neste mundo por causa do pecado, e o quanto, por conseguinte, o mundo precisa do Evangelho).
O pecado pode ser descrito como uma transgressão às leis de Deus (1Jo 3.4). Há uma variedade de termos, tanto no Antigo quanto no Novo Testamento, cada qual suprindo sombras de significado, que têm por centro o conceito de pecado como exaltação do próprio “eu” e a transgressão às leis divinas. A palavra hebraica mais comum para pecado é chatta’th, que significa basicamente “errar o alvo” – ou por ficar, voluntariamente, aquém da marca, ou por desviar-se para um lado ou para outro (Is 53.6; Rm 3.9-12,23). A mesma palavra é usada em Jz 20.16, para indicar soldados canhotos que podiam atirar uma pedra contra um fio de cabelo sem “errar”.
Uma outra palavra hebraica, resha’, é usada para a ira que se levanta contra Deus (Ez 21.24). Pesha’ é a rebelião deliberada e premeditada contra Deus (Jr 5.6). Outras palavras hebraicas falam de um comportamento distorcido e desviado, que é contrário à intenção de Deus para conosco. Mas tudo retrocede basicamente à incredulidade que deixa de confiar e de obedecer a Deus (Hb 3.9 e 4.1).
A animosidade que irrompeu entre Caim e Abel é o primeiro exemplo registrado das relações tensas que têm maculado a sociedade desde a queda. Guerras e lutas têm causado indizíveis dores através da longa história de nossa raça decaída – algo que continuará até que Jesus, nosso Príncipe da Paz, volte a este mundo para estabelecer o seu Reino (Mt 24.6-8). Outrossim, todo pecador vive espumando, dentro de si, a discórdia (Rm 7). “Miserável homem que eu sou! Quem me livrará do corpo desta morte?” clama a pessoa rasgada pela desarmonia interior (Rm 7.24).
A própria natureza sofreu devido à queda. Até o solo foi amaldiçoado (Gn 3.14-24). Não somente o mal moral se transformou em uma nuvem escura sobre o mundo. A queda ocasionou também o mal natural, pelo mesmo caminho. As pestilências, doenças e secas que têm amaldiçoado a humanidade – fazendo com que sua labuta seja, realmente o comer pelo “suor de seu rosto” – resultam da rebeldia inicial do homem contra Deus, no jardim do Éden.
Em seguida, o pecado produziu a morte. Deus advertira de que a ingestão do fruto proibido resultaria em morte certa (Gn 2.17). Na Bíblia, “morte” com freqüência significa “separação”. Portanto, o primeiro efeito foi a morte espiritual; o pecado separou Adão e Eva de Deus. A rebeldia deles produziu a morte física no mundo. Como resultado, a humanidade está destinada a morrer “uma vez, vindo depois disso, o juízo” (Hb 9.27). Mais que isso, porém, os pecadores que não se arrependerem estão sujeitos à segunda morte (Ap 2.11; 20.15), que é a eterna separação entre indivíduo e aquEle que é a fonte da vida, o próprio Deus.
O fato de que o salário do pecado é a morte (Rm 6.23) chama a nossa atenção para a grave natureza do pecado. Paulo salientou que o pecado poderia usar até uma coisa boa, como a Lei, para seus maus propósitos. Deus o permite para que o pecado se torne “excessivamente maligno” (Rm 7.13). Não há como minimizarmos o mais leve pecado. Nenhum pecado é pequeno demais para ser negligenciado ou para dispensar o perdão. Tiago também nos lembra que Deus “não pode ser tentado pelo mal e a ninguém tenta. Mas cada um é tentado, quando atraído e engodado pela sua própria concupiscência. Depois, havendo a concupiscência concebido, dá à luz o pecado; e o pecado, sendo consumado, gera a morte” (Tg 1.13-15). Em outras palavras, se permitirmos que nossa mente se demore sobre alguma tentação ou desejo errado, acabamos praticando um ato pecaminoso, e tornaremos o pecado em um hábito de vida, o que resultará na morte espiritual e eterna, ou seja, seremos eternamente separados de Deus. Não admira, pois, que a Bíblia recomende: “Quanto ao mais, irmãos, tudo o que é verdadeiro, tudo que é honesto, tudo que é justo, tudo que é puro, tudo que é amável, tudo que é de boa fama, se há alguma virtude, e se há algum louvor, nisso pensai” (Fp 4.8).
Não podemos demorar-nos em maus pensamentos, ou aceitá-los. Em si mesmos, os maus pensamentos não são pecado. Por exemplo, o homicídio pode ser insuflado em nossa mente pelo ambiente em que se vivemos. Mas podemos rejeitar esses pensamentos. Somente quando nos demoramos neles e permitimos que incubem é que nos levam ao pecado. Por exemplo, quando Jesus disse: “Eu porém vos digo que qualquer que atentar numa mulher para a cobiçar já em seu coração cometeu adultério com ela” (Mt 5.28), vemos que a palavra grega para “olhar” é um princípio que significa “continuar olhando”. O pensamento passageiro não torna o indivíduo culpado nem o obriga a cometer pecado. Mediante a ajuda do Espírito Santo, esse pecado pode ser rejeitado, e uma vitória ganha para a glória de Deus.
Com base em tudo isso, pode parecer que não há pecado de gravidade secundária. Entretanto, a Bíblia estabelece distinções ao julgar os pecados; mas a base é diferente – não, por exemplo se o homicídio é pior que o furto. No Antigo Testamento, a distinção dá-se entre pecados não-intencionais pelos quais podia-se oferecer uma oferenda (Lv 4.1 a 5.13), e os pecados deliberados, para os quais o castigo prescrito era a pena de morte (Nm 15.30,31). E o Novo Testamento acrescenta: “Porque, se pecarmos voluntariamente, depois de termos recebido o conhecimento da verdade, já não resta mais sacrifício pelos pecados, mas uma certa expectação horrível de juízo e ardor de fogo, que há de devorar os adversários. Quebrantando alguém a lei de Moisés, morre sem misericórdia, só pela palavra de duas ou três testemunhas. De quanto maior castigo cuidais vós será julgado merecedor aquele que pisar o Filho de Deus, e tiver por profano o sangue do testamento, com que foi santificado, e fizer agravo ao Espírito da graça?” (Hb 10.26-29). Assim, a Bíblia adverte-nos a nunca tomarmos uma atitude leviana ou descuidada em relação ao pecado. Verdadeiramente, o mundo precisa do Evangelho. Todos precisam da salvação provida por Deus. Graças a Deus que podemos andar na luz, comungar com Deus e ter o sangue de Jesus, seu Filho, para purificar-nos de todo pecado (1Jo 1.7).
Extraído
Postado por: Pb. Ademilson Braga